Prece de Cáritas

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Jesus, O Filho do Homem (por Khalil Gibran)


Para estes dias onde devemos lembrar o sentido do Mestre ter vindo até nós, e o que representa ter sido mãe de Jesus


------------------------------------------------------------------------------------------------
SUSANA DE NAZARÉ, UMA VIZINHADE MARIA
Jesus Jovem e Adulto

Conheci Maria, mãe de Jesus, antes que se tornasse a mulher de José o Carpinteiro, quando ambas ainda éramos solteiras.

Naquele tempo, Maria costumava ter visões e ouvir vozes, e falava de mensageiros celestes que apareciam em seus sonhos.

E o povo de Nazaré se preocupava com ela e observava suas idas e vindas. E todos a olhavam com olhos carinhosos, porque havia alturas em sua testa e espaços em seu andar.

Mas alguns diziam que ela estava possessa. Diziam isso porque ela só se conduzia de acordo com suas convicções.

Ela me parecia idosa, quando era ainda jovem, porque havia uma colheita em sua floração e fruto maduro em sua primavera.

Nascera e crescera entre nós; entretanto, era como uma estranha vinda do País do Norte. Em seus olhos, havia sempre o espanto de alguém que não está ainda familiarizado com nossas faces.

E era tão altiva quanto a Míriam de antanho, que andou com seus irmãos do Nilo até o deserto.

Depois, Maria desposou o carpinteiro José.
Quando Maria estava esperando Jesus, costumava andar por entre as colinas e voltar ao entardecer, com formosura e dor em seus olhos.
E quando Jesus nasceu, contaram-me que Maria disse à sua mãe: "Não passo de uma árvore não podada. Cuida tu deste fruto." Marta, a parteira, ouviu-a.

Depois de três dias, visitei-a. E seus olhos estavam maravilhadoss, e seus seios túrgidos, e seu braço envolvia seu primogénito como a concha envolve a pérola.

Todos nós amávamos o bebé de Maria e O observávamos, pois havia calor em Seu ser, e Ele palpitava com o ritmo de Sua vida.

Passaram-se as estações, e Ele tornou-se um menino cheio de risos e pequenas vagueações.
Ninguém entre nós sabia o que Ele iria fazer, pois parecia sempre fora da nossa espécie. Mas nunca era repreendido, apesar de ser temerário e superousado.

Brincava com os outros meninos mais do que estes bincavam com Ele.
Aos doze anos, ajudou, um dia, um cego a atravessar um riacho e atingir a segurança da grande estrada.

E, agradecido, o cego perguntou-lhe: "Menininho, quem és tu?"
E Ele respondeu: "Eu não sou um menininho. Eu sou Jesus."
E o cego perguntou: "Quem é teu pai?"
E Ele respondeu: "Deus é meu pai."
O cego riu-se e replicou: "Muito bem, meu menino. E quem é a tua mãe?"
E Jesus respondeu: "Eu não sou teu menino. E minha mãe é a Terra."
E o cego disse: "Então, olha aqui, fui conduzido através do riacho pelo filho de Deus e da Terra."
E Jesus respondeu: "Conduzir-te-ei aonde quer que fores, e meus olhos acompanharão teus passos."
E Ele cresceu como uma palmeira preciosa em nossos jardins.

Quando tinha dezenove anos, era tão garboso quanto um cervo, e Seus olhos eram como mel, e cheios do assombro dos dias.

E na Sua boca havia a sede do rebanho do deserto pelo lago.
Costumava andar sozinho pelos campos, e nossos olhos O seguiam, e os olhos de todas as moças de Nazaré. Mas ficávamos acanhadas ante Ele.
O amor sempre fica acanhado ante a beleza, embora a beleza seja sempre perseguida pelo amor.
Depois, os anos levaram-No a falar no templo e nos jardins da Galiléia.
E, às vezes, Maria O seguia para escutar-Lhe as palavras e ouvir as batidas de seu próprio coração. Mas quando Ele e aqueles que O amavam desceram para Jerusalém ela não os acompanhou.

Porque nós, do País do Norte, somos frequentemente motejados nas ruas de Jerusalém, mesmo quando vamos levar nossas oferendas ao templo.

E Maria era muito orgulhosa para submeter-se ao País do Sul.
E Jesus visitou outras terras no leste e no oeste. Não sabíamos que terras Êie visitava; contudo, nossos corações O seguiam.
Mas Maria esperava-O no limiar da casa e, cada entardecer, seus olhos procuravam na estrada pela Sua volta.

Entretanto, após a Sua chegada, ela costumava dizer-nos: "Ele é grande demais para ser meu Filho, eloquente demais para meu coração silencioso. Como poderei reclamá-Lo?"
Parecia-nos que Maria não podia acreditar que a planície tivesse dado nascimento à montanha. Na candura do seu coração não via que a crista do monte é o caminho para o cume.
Ela conhecia o homem, mas, porque Ele era seu Filho, não se atrevia a conhecê-Lo.
E num dia em que Jesus tinha ido ao lago encontrar-se com os pescadores, ela me disse: "Que é o homem senão este ser inquieto que deseja elevar-se da terra; que é o homem senão um anseio que almeja as estrelas?
"Meu filho é um anseio. Ele é todos nós em nosso anseio pelas estrelas.
"Disse: meu filho? Que Deus me perdoe. Entretanto, em meu coração, eu seria sua mãe."
Agora, é difícil falar mais de Maria e de seu filho; mas embora haja debulhos na minha garganta e minhas palavras cheguem a vós como coxos em muletas, preciso relatar o que vi e ouvi.
Foi na juventude do ano, quando as anémonas vermelhas enchiam os montes, que Jesus chamou Seus discípulos, dizendo-lhes: "Vinde comigo a Jerusalém e testemunhai o sacrifício do cordeiro para a Páscoa."

Naquele mesmo dia, Maria chegou à minha porta e disse: "Ele vai à procura da Cidade Santa. Não queres vir e segui-Lo comigo e as outras mulheres?"
E caminhamos pela longa estrada atrás de Maria e de seu filho, até que chegamos a Jerusalém. E um grupo de homens e mulheres saudou-nos à porta da cidade, pois Sua vinda havia sido anunciada àqueles que O amavam.
Mas, nessa mesma noite, Jesus saiu da cidade com Seus homens.
Disseram-nos que tinham ido a Betânia.
E Maria ficou conosco na estalagem, esperando Sua volta.
Pelo anoitecer da quinta-feira seguinte, Ele foi capturado fora das muralhas e feito prisioneiro.
E quando soubemos que Ele estava preso, Maria não pronunciou uma palavra; mas surgiu em seus olhos o cumprimento daquela promessa de dor e alegria que tínhamos observado quando ela era apenas uma noiva em Nazaré.
Ela não chorou. Movia-se entre nós como o fantasma de uma mãe que recusa deplorar o fantasma de seu filho.

Sentamo-nos no chão, mas ela permaneceu de pé, caminhando na sala para cima e para baixo.

Ficava, às vezes, parada junto à janela, olhando fixamente na direção do leste e, então, com os dedos das duas mãos, penteava o cabelo para trás.
Ao amanhecer, ainda permanecia de pé entre nós, como uma bandeira solitária num campo de batalha onde não há exércitos.

Nós chorávamos porque sabíamos qual ia ser o amanhã do seu filho; mas ela não chorava porque também sabia o que Lhe iria acontecer.

Seus ossos eram de bronze; e seus nervos, de olmo antigo; e seus olhos eram largos e ousados, como o firmamento.

Já ouvistes um tordo cantar enquanto seu ninho se queima ao vento?

Já vistes uma mulher cuja tristeza é grande demais para o pranto, ou um coração ferido que se eleva acima de sua dor?

Nunca vistes uma tal mulher, porque não estivestes na presença de Maria; e não fostes envolvidos pela Mãe Invisível.

Naquele momento imóvel, quando os cascos abafados do silêncio batiam nos peitos dos insones, João, o jovem filho Zebedeu, veio e disse: "Mãe Maria, Jesus está indo. Sigamo-lo
E Maria pôs a mão sobre o ombro de João, o saíram, e nós os seguimos.
Quando chegamos junto à Torre de Davi, vimos Jesus carrengando Sua cruz. E havia enorme multidão à Sua volta.

E dois outros homens também estavam carregando suas cruzes.
E Maria mantinha a cabeça erguida, e caminhava conosco atrás de seu filho. E seu passo era firme.
E atrás dela seguiam Sião e Roma, sim, o mundo inteiro, para se vingar sobre um Homem livre.
Quando atingimos o monte, Ele foi erguido na cruz.
E olhei para Maria. E sua face não era a face de uma mulher desolada. Era o semblante da terra fértil, sempre dando nascimento, sempre enterrando filhos.
Então, veio-lhe aos olhos a lembrança de Sua infância, e ela disse em voz alta: "Meu filho, que não é meu filho, homem que uma vez visitaste meu ventre, glorio-me de teu poder. Sei que cada gota de sangue que emana de tuas mãos será a corrente salvadora de uma nação.
Morres nesta tarde tempestuosa como meu coração uma vez morreu ao pôr do sol, e não me entristecerei."
Naquele momento, desejei cobrir meu rosto com meu manto e fugir para o País do Norte. Mas, de repente, ouvi Maria dizer: "Meu filho, que não é meu filho, que disseste ao homem que está à tua direita, que o fez feliz em sua agonia? A sombra da morte é luz sobre sua face, e ele não pode tirar os olhos de ti.

"Agora, sorris para mim, e porque sorris sei que venceste."

Então Jesus olhou para Sua Mãe e disse: "Maria, a partir de agora sê a mãe de João."
E a João Ele disse: "Sê um filho amoroso para essa mulher. Vai a sua casa, e que tua sombra cruze o limiar onde outrora me postei. Faze isso em minha memória."

E Maria levantou a mão direita na direção Dele, e ela era como uma árvore com um ramo só. E novamente gritou: "Meu filho, que não é meu filho, se isto é de Deus, que Deus nos dê paciência e compreensão. E se é do homem, que Deus o perdoe para sempre.

"Se é de Deus, a neve do Líbano será tua mortalha e se é somente destes sacerdotes e soldados, então eu tenho essa vestimenta para tua nudez”.

"Meu filho, que não é meu filho, o que Deus constrói aqui jamais perecerá; e o que o homem procura destruir permanecerá construído, embora não à sua vista."
E nesse momento, os céus O cederam à terra, um grito e um suspiro.
E Maria cedeu-O também ao homem, um ferimento e um bálsamo.
E Maria disse: "Olhai agora, ele se foi. A batalha está terminada. A estrela já brilhou. O navio chegou ao porto. Aquele que apertei contra meu peito está palpitando no espaço."

E nos aproximamos dela, e ela nos disse: "Mesmo na morte, ele sorri. Venceu. Fui sem dúvida a mãe de um vencedor."

E Maria voltou a Jerusalém, apoiada em João, o jovem discípulo.
E era uma mulher realizada.

E quando alcançamos a porta da cidade, fitei sua face e fiquei espantada, porque, naquele dia, a cabeça de Jesus alteava-se sobre todos os homens, mas a cabeça de Maria não estava menos alta.

Tudo isso se passou na primavera do ano.

E agora é o outono. E Maria, a mãe de Jesus, voltou novamente à sua casa, e encontra-se sozinha.

Há dois sábados, meu coração era como uma pedra em meu peito, porque meu filho me tinha abandonado por um navio em Tiro. Quer ser marinheiro.

E disse que nunca mais voltaria.

E, numa tarde, procurei Maria.
Quando entrei em sua casa, ela estava sentada ao tear, mas não estava tecendo. Olhava para o céu além de Nazaré.

E eu disse-lhe: "Salve, Maria."
E ela estendeu-me a mão. e disse: "Vem e senta-te junto de mim e observemos o sol derramar seu sangue sobre os montes."

E sentei-me no banco ao seu lado, e ficamos olhando o poente através da janela.

E, depois de um momento, Maria disse: "Não sei quem estará crucificando o sol, nesta tarde."
Então eu disse: "Vim procurar-te para me consolar. Meu filho deixou-me pelo mar e fiquei sozinha na minha casa do outro lado da estrada."

E Maria disse: "Eu te consolaria, mas como fazê-lo'"

E eu disse: "Bastaria que me falasses de teu filho para que fique consolada."

E Maria sorriu para mim, pôs a mão no meu ombro e disse: "Falar-te-ei dele. O que te consolará me consolará também."

Então ela falou de Jesus, e falou longamente de tudo que acontecera no começo.
E parecia-me que, em suas palavras, não fazia diferença entre seu filho e o meu.
Pois disse-me: "Meu filho é também um navegante. Por que não confiar teu filho às ondas como confiei o meu?

"A mulher será sempre ventre e berço, mas jamais tumba. Morremos para dar a vida à vida, tal como nossos dedos tecem o fio para o tecido que nunca usaremos.
"E lançamos a rede para o peixe que nunca provaremos.
"E por isso nos entristecemos, embora em tudo isso esteja a nossa alegria."
Assim me falou Maria.

E eu a deixei e vim para minha casa, e embora a luz do dia tivesse desaparecido, sentei-me ao meu tear e recomecei a tecer.
------------------------------------------------------------------------------------------------
JESUS, O FILHO DO HOMEM
KHALIL GIBRAN
TRADUÇÃO MANSOUR CHALLITA

3 comentários:

  1. Este texto é mais uma preciosa contribuição do Irmão Marcenal.

    ResponderExcluir
  2. ésempre maravilhoso ler gibran, sinto não saber elogiar a altura de tanta sabedoria que somente Deus pode ter lhe dado, sua sabedoria comove o nosso coração ja esmagado pela dor da perda irreparavel de meu esposo.Muito obrigada. Isis manhaes silveira,Muriaé,MG

    ResponderExcluir
  3. Cara Irmã, lembre-se que Êle disse: Vinde a Mim os que estão cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei.

    ResponderExcluir