Quase de forma consensual, percebe a sociedade que o ritmo da vida
moderna, em velocidade vertiginosa, produz grandes dificuldades para a formação
de vínculos produtivos nas diversas relações interpessoais e sociais.
Não apenas a quantidade de tempo dedicada à “vida interior”, mas também
a qualidade desse tempo têm sido apontadas como fatores causais de relevante
peso nos processos de distanciamento afetivo entre as pessoas, mesmo dentro do
lar.
Por conseguinte, faz-se necessário que os indivíduos se esforcem para
tomar consciência dessa problemática, e busquem caminhos alternativos, com o
fito de lograr uma vida com mais qualidade.
Em tal perspectiva, o desenvolvimento das qualidades morais e emocionais
se nos apresentam com singular importância. Identificamos, nesse sentido, na
autopercepção, uma poderosa alavanca para o aprimoramento.
Define-se a autopercepção como uma capacidade de perceber e compreender
o próprio estado de espírito, emoções, impulsos, bem como seus efeitos nas
outras pessoas.
Valiosa competência emocional, o constante reconhecimento do próprio
estado de espírito permite que identifiquemos os próprios sentimentos, e seus
impactos nas relações com familiares, amigos e com os diversos segmentos
sociais.
E para a melhor compreensão do valor da autopercepção, faz-se,
invariavelmente, útil aprender nos ensinos de Jesus, e na interpretação
kardeciana desses ensinos, as mais robustas referencias.
Encontraremos descrito no Quarto Evangelho, o chamado Evangelho segundo
João, o anúncio da traição de Judas, quando Jesus, antes de declarar que seria
traído, “perturbou-se interiormente” e afirmou que seria um dentre os
discípulos que o faria. Simão Pedro, através de um gesto, pede ao “discípulo
amado” que pergunte ao Senhor quem seria esse traidor.
Como seria natural acontecer, o estado de perturbação interior e o
anuncio da traição causaram grave impacto nos amigos e familiares de Jesus,
reunidos em mais uma celebração judaica: a Páscoa.
Nada obstante, Jesus – numa impressionante exemplificação de
autopercepção e redirecionamento emocional – revertera toda a disposição
emocional negativa que sucedera, através de Suas atitudes transbordantes de
amizade, lealdade e afeto, mais ainda, através de seus discursos altamente
positivos e otimistas:
“Cesse de perturbar-se o vosso coração! Credes em Deus, crede também em
mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim eu vos teria
dito, pois vou preparar-vos um lugar, e quando eu me for e vos tiver preparado
um lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver,
estejais vós também”.
Admiráveis palavras, impregnadas de compaixão e empatia.
Allan Kardec, demonstrando sua impar qualidade de educador, em O Livro
dos Espíritos, nos elucida - de forma pragmática - sobre o desenvolvimento da
percepção com vistas ao adiantamento moral e intelectual. Dando publicidade à
instrução do espírito Agostinho de Hipona, em que esse expoente da Codificação
oferece seu método pessoal de reforma intima, o codificador do espiritismo
apresenta à humanidade uma forma prática e segura para que ele percorra a senda
do crescimento. Instrui o espírito Agostinho:
(...) “Fazei
o que eu mesmo fazia, quando vivi na Terra: no final do dia, interrogava minha
consciência, passava em revista o que tinha feito e me perguntava se não havia
faltado a algum dever, se ninguém tivera motivo de se queixar de mim. Foi assim
que cheguei a me conhecer e a ver, em mim, o que precisava de reforma. Aquele
que, todas as noites, relembrasse todas as suas ações do dia e se perguntasse o
que fez de bem ou mal, rogando a Deus e ao seu anjo guardião que o
esclarecessem, adquiriria uma grande força para se aperfeiçoar, pois, crede-me.
Deus o assistiria. Perguntai portanto a vós mesmos e interrogai-vos sobre o que
tendes feito, e com que objetivo agistes em tal circunstancia; se fizeste
alguma coisa que censuraríeis, da parte de outrem; se praticastes uma ação que
não ousaríeis confessar. Perguntai ainda isto: Se aprouvesse a Deus chamar-me
neste momento, teria eu que temer o olhar de alguém, ao retornar ao mundo dos
espíritos, onde nada fica oculto? Examinai o que podeis ter praticado contra
Deus, depois contra o vosso próximo e, finalmente contra vós mesmos. As
respostas serão um repouso para vossa consciência ou a indicação de um mal que
precisa ser curado.”
Portanto, a despeito do ritmo alucinante da vida hodierna, dediquemos
tempo à “vida interior” e façamos o exercício recomendado por Agostinho-
espírito em O Livro dos Espíritos,
para que não nos distanciemos das pessoas, sobretudo dentro no nosso lar.
Diante desse desiderato, desenvolvemos a autopercepção como poderosa
alavanca para colimarmos as melhores qualidades morais e emocionais,
necessárias à vida pessoal e social com real qualidade.
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Fonte: Revista Cultura Espírita