Prece de Cáritas

sábado, 30 de outubro de 2010

A Escolha





Uma fábula célebre, atribuída ao filósofo escolástico Buridan, conhecida como “O asno de Buridan”, mostra um asno que se deixa morrer de fome entre dois feixes iguais de feno, por não ter sido capaz de escolher entre os dois bens equivalentes. Mas Buridan pensa que o homem pode não morrer de fome como o asno, pois a vontade segue o juízo do intelecto.

Aristóteles já antecipara o caso de quem, sedento ou esfaimado, fica imóvel onde se acha, se a bebida e o alimento estiverem a igual distância. É uma prova, por absurdo, de que, na realidade, a escolha sempre se faz, o que nos remete ao decisionismo – tese de que certos problemas só podem ser resolvidos mediante uma escolha, ligada a um juízo de valor, que pode atingir inúmeras áreas da vida humana, freqüentemente a área moral.

Inscrito no campo semântico de desejar, querer, valorar/avaliar, decidir, agir os termos escolha/escolher relacionam-se também noções designadas por vontade, comportamento, norma, valor, liberdade etc. Nas primeiras investigações sobre a noção de escolha, Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, usou o termo proairesis (= pré-escolha, entre várias coisas): não sendo puramente um desejo, um apetite ou uma opinião, atua sob um princípio racional e atividade de pensamento. Para Aristóteles, é um ato de escolha,e, para Epiceto, é o que faz o homem ser o que é, o que constitui o próprio homem.

Em Filosofia moral, a escolha decorre de deliberação, com base na razão, que avalia os prós e contras, e os princípios que nortearam o processo- é a concepção intelectualista da escolha. Há casos em que o desejo a precede, e em outros dela pode estar ausente, quando acontece de uma coisa/alternativa/opinião/teoria parecer melhor, ou ajustar-se melhor a certas condições estabelecidas. Do extremo racionalismo, que exige sempre encontrar argumentos em favor de uma alternativa que eliminem as outras, ao decisionismo, que admite a feição subjetiva da escolha, com a participação de uma consciência moral ou de uma emoção, há posições intermediárias que admitem razões mais fortes ou persuasivas que outras. Exemplo disso é o desafio do grande movimento de sustentabilidade para preservação do meio ambiente, que enfrenta a atual geração, de renunciar a uma série de confortos e comodidades, em benefício da subsistência das gerações futuras ou para a construção de uma responsabilidade mais justa, igualitária etc. O racionalista dirá que se devem encontrar razões a favor ou contra o sacrifício da geração atual e o decisionista que se deve decidir a favor ou contra o sacrifício mesmo que não haja razões suficientes para apoiar a decisão que se tome. Constatamos isso nas conferencias mundiais sobre o meio ambiente. De todo modo, os partidários de ambas as posições sustentam que é possível: encontrar razões práticas que conduzam a uma decisão satisfatória, aceitável por todos, ou por quase todos, sem pretender, no entanto, que seja uma decisão absolutamente correta e para sempre; recorrer a prudência e/ou a um sentimento moral – não irracional, mas tampouco estritamente racional.

Impõem-se uma questão fundamental: como ensinar a escolher/tomar decisões? Basicamente sempre justificando o motivo pelo qual dizemos “sim” ou “não”, pois desse modo a mente infanto-juvenil cria a postura mental de remontar às causas, aos motivos das situações; e sempre discutindo opções e conseqüências com as crianças e jovens, incluindo-se principalmente as que eles apresentarem, para infundir-lhes fundamentos éticos, autonomia, assunção de responsabilidade individual e coletiva.

As decisões morais também mobilizam emoções, que circulam pelo cérebro por diferentes caminhos e velocidade, segundo conclusão de pesquisa coordenada por Antonio Damasio, diretor do Instituto do Cérebro e da Criatividade da Universidade do Sul da Califórnia, e publicada nos Proceedings of The National Academy of Sciences. Emoções mais complexas, “nobres”, como compaixão pelo sofrimento psicológico e a admiração pelo caráter de outras pessoas, seguem no córtex posteromedional, caminhos cognitivos distintos dos percorridos por emoções menos elaboradas, “primitivas”.

Questões éticas e morais exigiram alguns segundos a mais de processamento do que as demais, e no caso das emoções nobres, a atividade neuronal levou mais tempo para atingir o pico máximo. Os cientistas não sabem por que as decisões morais exigem mais tempo de reflexão do que as baseadas apenas em atributos físicos, mas fica para nós a advertência de que qualquer pressão prejudica esse tipo de escolha.

Pelo uso consciente do livre-arbítrio, caminhamos todos para certo tempo na trajetória evolutiva, a partir do qual os seres só conseguem fazer a Inevitável Escolha para o Bem, para o Amor, como Joana de Cusa, Kardec, Francisco de Assis, Bezerra de Menezes, Chico Xavier, e, acima de todos, Jesus.
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Fonte: Revista Cultura Espírita (setembro 2010)

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